sábado, 11 de julho de 2015

As Cartas

Já estou no tempo da tela
Do laptop que se impôs ao papel
Da correção em tempo imediato
Do sumiço de palavras que não validamos

A carta ficou num tempo lento
Onde gosto de permanecer
Quando quero um alento
Ou suplico por aconchego

Saudosa carta
De palavras borradas
Cujas lágrimas pintavam
Frutos da dor do homem

Borrar a palavras
Em lágrimas
É o mais belo e significativo
Privilégio da carta

Desmanchar palavras
Meu computador não o faz
Posso me derramar em pranto
Que nada irá modificar

Volto ao papel
Como volto a mim
Para me decompor
E por ali ficar

Onde há um cuidado em não errar
Antes de agir no palavrear
Um cuidado generoso
Ao sujeito destinatário

E um reconhecimento
De que sou remetente
Remetendo-me
Ao doce exercício de me amar





segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Caderno vermelho

Foi surpreendente ver a caligrafia
Ver as palavras desagregadas fora das linhas
Num pequeno caderno vermelho
Que registrava dias e horários regulares
A poesia do caderno
Não era dito em palavras
Mas nos desenho do registro
No gesto do agrupamento das letras

Que prova de alma
Que prova de amor
Tudo dedicado ao seu professor
Numa crença de que há quem ensine

Grato aluna


quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Anestésico

Permito-me amortecer-me as vezes
Ser tomado por anestésico semblante
Omitir qualquer desejo
Impedir-me ser pensante
Sem esforço para movimento
Paralítico na mente

Inventaram que isso mata
Que envelhece
Que a vida escapa

Que assim seja
Que me escape o tempo
Pois inventar é do homem
Paralisar é coragem mundana

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Abraço


Talvez seja o mais forte dos laços

Prólogo:
Só existe em dois
1 propõe
2 aceitam
Tudo começa 2
Tudo termina 1

Ato 1
Braços se abrem como num princípio de vôo
Corpos se tocam pelos corações
Os braços formam laços que não desatam
A batida cardíaca de um é trocada pela do outro
Tudo emaranhado na mesma pulsação
Numa coisa só
Quem recebe não sabe quem o é
Quem dá não sabe se o é

Ato 2
Enigmático gesto humano
De extremo calor
Que conforta, abriga e enraíza
Por que abraçamos?
Uma causa que não se explica de fato

Epílogo
Sorte daquele que o pratica com agrado
Azar daquele que o evita utilizá-lo
Ouso dizer que é o mais puro dos atos





quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Riscos

Me disseram, numa dessas descobertas de menino, que o risco era composto por pontos.
Me perguntava, ainda moleque, como que um traço que é feito apenas num ato veloz poderia ser composto por repetições pontuais?

Pensei...

O risco não é nada pontual. 
É um traço de uma decisão impulsiva.
Já, os pontos em conjunto é fruto de ato programado, ritmado e esperado.

Em pausa, o risco pode ser o conjunto pontuado como me tinham dito um dia.
É só parar e pensar que todos grudadinhos o formam.

O que não me disseram é que o risco só será um conjunto de pontos se usarmos o pensar.
Se pararmos para pensar...

Se apenas riscar, nunca será pontos.
Será o íntimo impulso de arriscar.

Hoje, corro risco sem pontuar.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Socialmente tatuado

Na pele nua
Nenhuma imagem aparente
Nenhum vestígio de signo
Somente marcas de sol

A pele despida de imagens
Oculta a constelação social
Impregnada de repetições estagnadas
Em temas recorrentes desde infância

A pele escudo
Protege do mal estar social
Que resguarda estruturas arcaicas
De como devemos viver

Se observármos com olhos de lince
Será possível ver o que foi tatuado com o tempo
Em cada pele que anda por aí
Manchas fortes

As marcas sociais estão mais fortemente coloridas
E abertas em ferida 
Do que a tatuagem que foi feita na esquina
Com agulha sem morfina

Estão para inventar um método eficaz para apagá-las.



segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Suave abstração

Tomado por tons e subtons
Que invadem o olhar fechado
Volto infância

Sujeito amado

Inconsistente na consciência
Que brinca e aprende
Com cor jogada no ralo

Sujeito amado

Traço sem causa de real
Garatuja concreta
Prazer carnal

Sujeito amado

Que se preze a distância de mecanismos
Que trazem uma lógica
De um mudo palpável

Sujeito desamado

domingo, 21 de dezembro de 2014

O tempo do destino

Chegou um tempo em que foi decidido
Que era o tempo do destino

Casca de granito foi craquelada
Até se dissolver em fino pó

Eis que surge o finito homem
Que aceita que partirá

Há uma força na serenidade do seu olhar
De que tudo já foi escrito

Desde os primeiros movimentos
Até o presente caminhar

O medo vira líquido
Sem meios para o agarrar

Homem que dilui
Que desaparecerá

Só encontra um sentido
No tempo do destino

Conjugar o verbo amar




terça-feira, 16 de dezembro de 2014

LEILA

Só quero viver
E te esclarecer
Que o bem que me fez
Já não adianta mais
Larguei de ser sua
Para ser Leila

Deixei de ser consumida
Pela sua doente possessão
Meu terreno não é posse
Meu corpo é emoção
E se não me soltar
Da sua imaginária prisão
Adoecerei em rugas
Amortecerei as asas
Sofrerei em espírito
e descompassarei meu coração

A vida assopra no tempo
Para ser sua em bibelô
Serei Leila
Puro amor

Esqueça o que fui
Sou Leila-amor
Não sou doença
Trancafiada no seu supor

Abrirei esta porta
E não olharei para trás
Enterrarei qualquer laço
Para ser Leila

Me abandone!
Sou Leila
Mulher entregue
Ao suspiro da vida

Ouve-se um tiro
Leila caída
Leila morta
Antônio chora

Antônio nunca amou Leila
Antônio nunca soube quem era Leila
Antônio sempre supôs quem era Leila
A verdadeira Leila ele apagou







segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

INESPERADO

Primeiro chegou como fato
Era uma pergunta
Uma simples informação

Respondida a pergunta
Um vento soprou uma memória
Aveludada de emoção

O passado fez-se presente:
Em imagem, palavra e sonho
Algo inusitado

O corpo carregava a memória
Que acionada no tempo
Disparou uma carga de vida

Tudo o que era volta
Retorna acalorado
E se alimenta de presente-passado

Inesperado!
Veio de uma pergunta
Agora vive como abraço.