quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Riscos

Me disseram, numa dessas descobertas de menino, que o risco era composto por pontos.
Me perguntava, ainda moleque, como que um traço que é feito apenas num ato veloz poderia ser composto por repetições pontuais?

Pensei...

O risco não é nada pontual. 
É um traço de uma decisão impulsiva.
Já, os pontos em conjunto é fruto de ato programado, ritmado e esperado.

Em pausa, o risco pode ser o conjunto pontuado como me tinham dito um dia.
É só parar e pensar que todos grudadinhos o formam.

O que não me disseram é que o risco só será um conjunto de pontos se usarmos o pensar.
Se pararmos para pensar...

Se apenas riscar, nunca será pontos.
Será o íntimo impulso de arriscar.

Hoje, corro risco sem pontuar.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Socialmente tatuado

Na pele nua
Nenhuma imagem aparente
Nenhum vestígio de signo
Somente marcas de sol

A pele despida de imagens
Oculta a constelação social
Impregnada de repetições estagnadas
Em temas recorrentes desde infância

A pele escudo
Protege do mal estar social
Que resguarda estruturas arcaicas
De como devemos viver

Se observármos com olhos de lince
Será possível ver o que foi tatuado com o tempo
Em cada pele que anda por aí
Manchas fortes

As marcas sociais estão mais fortemente coloridas
E abertas em ferida 
Do que a tatuagem que foi feita na esquina
Com agulha sem morfina

Estão para inventar um método eficaz para apagá-las.



segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Suave abstração

Tomado por tons e subtons
Que invadem o olhar fechado
Volto infância

Sujeito amado

Inconsistente na consciência
Que brinca e aprende
Com cor jogada no ralo

Sujeito amado

Traço sem causa de real
Garatuja concreta
Prazer carnal

Sujeito amado

Que se preze a distância de mecanismos
Que trazem uma lógica
De um mudo palpável

Sujeito desamado

domingo, 21 de dezembro de 2014

O tempo do destino

Chegou um tempo em que foi decidido
Que era o tempo do destino

Casca de granito foi craquelada
Até se dissolver em fino pó

Eis que surge o finito homem
Que aceita que partirá

Há uma força na serenidade do seu olhar
De que tudo já foi escrito

Desde os primeiros movimentos
Até o presente caminhar

O medo vira líquido
Sem meios para o agarrar

Homem que dilui
Que desaparecerá

Só encontra um sentido
No tempo do destino

Conjugar o verbo amar




terça-feira, 16 de dezembro de 2014

LEILA

Só quero viver
E te esclarecer
Que o bem que me fez
Já não adianta mais
Larguei de ser sua
Para ser Leila

Deixei de ser consumida
Pela sua doente possessão
Meu terreno não é posse
Meu corpo é emoção
E se não me soltar
Da sua imaginária prisão
Adoecerei em rugas
Amortecerei as asas
Sofrerei em espírito
e descompassarei meu coração

A vida assopra no tempo
Para ser sua em bibelô
Serei Leila
Puro amor

Esqueça o que fui
Sou Leila-amor
Não sou doença
Trancafiada no seu supor

Abrirei esta porta
E não olharei para trás
Enterrarei qualquer laço
Para ser Leila

Me abandone!
Sou Leila
Mulher entregue
Ao suspiro da vida

Ouve-se um tiro
Leila caída
Leila morta
Antônio chora

Antônio nunca amou Leila
Antônio nunca soube quem era Leila
Antônio sempre supôs quem era Leila
A verdadeira Leila ele apagou







segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

INESPERADO

Primeiro chegou como fato
Era uma pergunta
Uma simples informação

Respondida a pergunta
Um vento soprou uma memória
Aveludada de emoção

O passado fez-se presente:
Em imagem, palavra e sonho
Algo inusitado

O corpo carregava a memória
Que acionada no tempo
Disparou uma carga de vida

Tudo o que era volta
Retorna acalorado
E se alimenta de presente-passado

Inesperado!
Veio de uma pergunta
Agora vive como abraço.


sábado, 16 de agosto de 2014

Café

É num café que se descobre quem se é

Tudo que se marchava em cotidiano 
A mesmice de repetidas ações embrutecidas
A endurecida estrutura de um real
O apego pelo mesmos casulos

Tudo se desmorona numa pausa de um café
Êta freio bom!

Se a pausa é combinada a dois
Melhor a chance de ser o que se é
Pois se é, sendo o outro
Sendo o próprio café

Borra que me desenha num futuro
Dizendo que o café é um pretexto
E  o que vale é o parceiro
E seu cheiro que se entrelaça com o que se é

Cheiro de café
Nos comande por palavras
Que não sei o que é
O que sou e quem o é

No momento que a descoberta 
Que dois em café é humano amando o que se é
Chega alguém  e apresenta
A conta da padaria do Zé

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Nortes oníricos

Foi num sonho que as tulipas apareceram
Uma mais branca que a outra formando um imenso tapete
Que cobriam o corpo da mulher

Mulher tulipa que exalava a dúvida
Me prendeu no seu intenso olhar
Estendi a mão e ela não soube me agarrar

As tulipas caíram desvelando o velado
Um véu de seda encortinou o caminho da branca mulher
Dúvidas de direção

Apontei para o fogo no seu coração 
Que ao olhá-lo, seu corpo já eram cinzas
A mulher tulipa dúvida virou pó

Não houve tempo para a escolha de um caminho
Eis que surge  o vento que se encarrega da escolha
Formou-se um rodamoinho de pó mulher tulipa

E como premonitório vento
Indicou que o caminho se volta para dentro
De dentro surge a fênix




sábado, 2 de agosto de 2014

Com dor

Atravessado engolido espremido encolhido
Espaço, respiro
Trancado amarrado sufocado amargurado
Espaço, suspiro
Arranhado esfolado rompido dilacerado
Espaço, seguro
Apertado mordido roído esfolado
Espaço, vivo

Sinto supõe-se vivo
Morto supõe-se vivido
Sentido supõe-se destino
Dói


sexta-feira, 4 de abril de 2014

Amor por odor

Amor é como cheiro agradável
Alimenta o espírito pelo ar
Conforta pelo odor

Amor que vem com cheiro
Paralisa em suspenso
Indicando o aconchego
De um tempo que parece perdido

Amor que exala cheiro
Contamina a alma
Mistura dois em um
E alucina

Amor é cheiro sem dor
Pausa em flor
Atração sem anseio

Amor prezado odor,
Lance suas vestes aveludadas
Em pêssego silvestre
Para que possamos sentir
e não distinguir o que realmente exala:
o perfume ou a ausência de dor. 





quarta-feira, 5 de março de 2014

SOMA

Em compasso
Passo a passo
Um degrau por vez
Pegadas constantes
Marcas repetidas
No mesmo tempo
Pulso controlado

Corte inesperado
Sujeito descompassado
Sem passo
Degraus roídos
Pegadas desconectadas
Marcas esquecidas
Destemperadas
Descontrole das batidas

Agora sim,
Primeira mais segunda estrofe:
Ser humano.

sábado, 1 de março de 2014

VOLTAS

ETERNO
ETÉREO
RETORNO

ETERNO
TERNO
RETORNO

ETERNO
ESTÉREO
RETORNO

TORNO
ESTÉREO

RETORNO
ETÉREO

TORNO
RETORNO
RÉ NO TORNO
ETERNO 
RETORNO

Dependência

Há um tempo para a palavra aparecer...

Quando vem
Chega de supetão
Se aconchega e alivia

É um amortecimento
Um respiro de alma
Um suspiro divino

Sou daqueles que não me caibo
Em tempo de pausa
Sou angústia e desalento

A palavra refresca
Dança e embebeda a mente
Dá um sentido inexplicável

Um carteiro sem carta
Um amante sem amada
Um toureiro sem tourada

É o mesmo que eu sem palavra. 

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Esqueci

Impuseram-me uma frase
Ordenaram que a guardasse

Repeti, repeti, tripeti
Grudou na memória

Como canção odiosa
Daquelas que viram mantra

Ladainha insuportável
Que tatua na mente

Um palhaço passou
Jogou seu charme de riso

Ih, esqueci!
Qual era a frase?

Salve, salve palhaço
Nunca esqueça de passar.


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Compromisso pequeno

Um nó amarrava dentro
Aquela coisinha perturbava
Como pingo constante da torneira impertinente
Com coração batendo em revés
Pulsando em sustenido menor 

Tinha esquecido o que me avessava
Era algo sem resolução
Incomodava dissonante
Paralisia em suspensão
Grito engasgado
Suador na mão

Olhem só,
Era um compromisso pequeno
Em nó grande:
Levar uma carta de despedida para um amor platônico. 


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Luta diária

Por decreto indiscreto anunciaram:

"Mate um leão por dia!"

A palavra dita em exclamação contamina
Num credo que me faz matador

Nunca tive os trejeitos de furor
Que marca território aos rugidos

Queria me desgrudar de frases ditas
Que mascaram o meu dia

Que surdo eu seja
Para que o íntimo ser só eu

Apenas seja
Na dura complexidade de só ser.


terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Espaços que se desfazem em cinzas...

Pensado por homens
Idealizado em símbolos

Construído por homens
Cimentado com raízes

Utilizado por homens
Desfrutado em versos

Poetizado por homens
Imaginário em público

Ardido em chamas
Carvão em segundos

Os homens choram
A arte em cinzas

(Singela homenagem ao Liceu de Artes e Ofícios)